Histórias de família
Começou sua nova etapa da vida, a escola, e no começo ia arrumadinho, de cabelo escovado, roupa passada, e material novo.
Ah! Material escolar, que delicia o cheiro de novidade subindo ao nariz. Para que este material passasse do cheiro ao gosto não demorou muito, e às vezes sem perceber lá estava a mastigar os lápis, depois passou para as borrachas, muito mais agradáveis a degustação.
Um deleite!Ficar ali mastigando a borracha olhando para a janela da classe e enxergando o universo de aventuras, horas e horas, até que a professora percebendo sua distração lhe chamasse a atenção.
Um dia o pai já cansado de comprar novas borrachas e de lhe presentear com imensas surras, fez uma "mágica", transformou a borracha nova em seu corpo. escreveu com letras miúdas seu nome completo. Sim porque queria ter certeza de que a borracha seria ele e não outro Zé qualquer, e depois antes de entregá-la fez um discurso assustador.
- A partir de hoje tudo que você fizer pra borracha, vai tá fazendo prá mim também - e continuou - se perder, eu também me perderei, não vou voltar mais pra casa, se morder estará me mordendo e eu vou sentir tudo, se arrancar um pedaço, então este pedaço será arrancado de mim e vou morrer.
Pegou a borracha com muito medo de que acontecesse qualquer coisa guardou no estojo, e por muito tempo passou a tratá-la com reverências, quase nunca a tirava do estojo, preocupava-se se ela estivesse sentindo frio ou calor, evitava apagar os erros. E seu caderno foi ficando terrível, já era "orelhudo" por natureza, agora estava todo borrado, riscado e sujo. A professora reclamava, mas não adiantava usava a borracha só em último caso.
O tempo foi passando, os problemas aumentando, e começou a usar mais a borracha. Um dia, ao voltar de um devaneio estacou horrorizado, na sua mão jazia a borracha já com as letras meio apagadas, e muito, muito mordida. Engoliu e sentiu o gosto do crime escorrer-lhe pesado pela garganta.
Um desespero tomou conta do seu espírito e já não pode mais ver a aula, não viu mais nada além do tempo que não passava, não passava. Só conseguia ver o rosto do pai, imaginar-lhe as chagas, o sangue.
Com a garganta em nó o intervalo passou por ele, e também o resto da manhã. Só pensava em ir para casa, e o tempo sacana brincava com ele, fingindo ser uma lesma bem pequenininha, que nem sabe andar direito.
Uma infinita saudade de "não-sei-o-que", principiava a invadir-lhe a mente, provocando uma dor profunda, como se de repente uma faca lhe rasgasse de dentro para fora. E nesta inquietação pegou o caminho de volta para casa, que parecia não terminar mais, e sem mais sem menos principiou a correr num desespero alucinado, corria e parecia não mais sentir o corpo, sentia se flutuar pelas ruas, com aquela dor infinita a lhe perseguir. Por mais que corresse ela parecia não deixar lhe a mente.
Finalmente visualizou o portão de casa e aos solavancos abriu e saltou os degraus até a porta. Entrou, olhou e tudo estava lá, nada de anormal havia acontecido, olhou para o pai sentado no sofá assistindo ao jornal, examinou-o demoradamente. Nada parecia estar diferente. Não se conteve mais:
-Pai... -Pai...
-Humm?!!- um gesto conhecido e áspero veio em resposta.
-Cê tá bem? Tá tudo bem?Não tá sentindo.... não pode terminar, o fôlego cobrava as forças usadas na corrida.
E sem ao menos que os olhos o vissem a boca respondeu impaciente: -Ahh! mais...claro que to, agora vai procurar o que fazer que eu quero ver esporte...
Respirou aliviado, e já ia obedecendo, quando uma idéia lhe cortou o cérebro, era mentira, pura mentira, o pai também mentia.
Dias depois, estava fazendo a lição de casa e o pai passando pela mesa da cozinha, de sopetão pegou a borracha, olhou-a mastigada e com um rosto compungido de dor exclamou:
- Eu senti isso, doeu, doeu muito...
Não respondeu, apenas o olhou com ares de "Sei, sei"
Ah! Material escolar, que delicia o cheiro de novidade subindo ao nariz. Para que este material passasse do cheiro ao gosto não demorou muito, e às vezes sem perceber lá estava a mastigar os lápis, depois passou para as borrachas, muito mais agradáveis a degustação.
Um deleite!Ficar ali mastigando a borracha olhando para a janela da classe e enxergando o universo de aventuras, horas e horas, até que a professora percebendo sua distração lhe chamasse a atenção.
Um dia o pai já cansado de comprar novas borrachas e de lhe presentear com imensas surras, fez uma "mágica", transformou a borracha nova em seu corpo. escreveu com letras miúdas seu nome completo. Sim porque queria ter certeza de que a borracha seria ele e não outro Zé qualquer, e depois antes de entregá-la fez um discurso assustador.
- A partir de hoje tudo que você fizer pra borracha, vai tá fazendo prá mim também - e continuou - se perder, eu também me perderei, não vou voltar mais pra casa, se morder estará me mordendo e eu vou sentir tudo, se arrancar um pedaço, então este pedaço será arrancado de mim e vou morrer.
Pegou a borracha com muito medo de que acontecesse qualquer coisa guardou no estojo, e por muito tempo passou a tratá-la com reverências, quase nunca a tirava do estojo, preocupava-se se ela estivesse sentindo frio ou calor, evitava apagar os erros. E seu caderno foi ficando terrível, já era "orelhudo" por natureza, agora estava todo borrado, riscado e sujo. A professora reclamava, mas não adiantava usava a borracha só em último caso.
O tempo foi passando, os problemas aumentando, e começou a usar mais a borracha. Um dia, ao voltar de um devaneio estacou horrorizado, na sua mão jazia a borracha já com as letras meio apagadas, e muito, muito mordida. Engoliu e sentiu o gosto do crime escorrer-lhe pesado pela garganta.
Um desespero tomou conta do seu espírito e já não pode mais ver a aula, não viu mais nada além do tempo que não passava, não passava. Só conseguia ver o rosto do pai, imaginar-lhe as chagas, o sangue.
Com a garganta em nó o intervalo passou por ele, e também o resto da manhã. Só pensava em ir para casa, e o tempo sacana brincava com ele, fingindo ser uma lesma bem pequenininha, que nem sabe andar direito.
Uma infinita saudade de "não-sei-o-que", principiava a invadir-lhe a mente, provocando uma dor profunda, como se de repente uma faca lhe rasgasse de dentro para fora. E nesta inquietação pegou o caminho de volta para casa, que parecia não terminar mais, e sem mais sem menos principiou a correr num desespero alucinado, corria e parecia não mais sentir o corpo, sentia se flutuar pelas ruas, com aquela dor infinita a lhe perseguir. Por mais que corresse ela parecia não deixar lhe a mente.
Finalmente visualizou o portão de casa e aos solavancos abriu e saltou os degraus até a porta. Entrou, olhou e tudo estava lá, nada de anormal havia acontecido, olhou para o pai sentado no sofá assistindo ao jornal, examinou-o demoradamente. Nada parecia estar diferente. Não se conteve mais:
-Pai... -Pai...
-Humm?!!- um gesto conhecido e áspero veio em resposta.
-Cê tá bem? Tá tudo bem?Não tá sentindo.... não pode terminar, o fôlego cobrava as forças usadas na corrida.
E sem ao menos que os olhos o vissem a boca respondeu impaciente: -Ahh! mais...claro que to, agora vai procurar o que fazer que eu quero ver esporte...
Respirou aliviado, e já ia obedecendo, quando uma idéia lhe cortou o cérebro, era mentira, pura mentira, o pai também mentia.
Dias depois, estava fazendo a lição de casa e o pai passando pela mesa da cozinha, de sopetão pegou a borracha, olhou-a mastigada e com um rosto compungido de dor exclamou:
- Eu senti isso, doeu, doeu muito...
Não respondeu, apenas o olhou com ares de "Sei, sei"
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